Nāda Sādhana, a via do som divino
- Yoga PuroPrana
- 14 de fev.
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Atualizado: 18 de fev.

Vivemos num universo energético e vibratório. A investigação em ciência quântica mostrou-nos que as partículas atómicas – neutrões, protões, electrões e partículas subatómicas como os quarks são na verdade vórtices de energia. Tudo neste universo é energia e vibração, desde o mais grosseiro ao mais subtil. As vibrações a que estamos expostos podem ter efeitos imediatos e óbvios sobre nós.
Como seres inerentemente energéticos e vibratórios, os humanos têm a capacidade de reconhecer e de se ligar à energia e às vibrações que nos são externas, especialmente e de forma muito natural, através do som. Este reconhecimento e aceitação permitem-nos ouvir, sentir e, em alguns casos, ver como o som alinha a vibração energética dos nossos ambientes interior e exterior. Este alinhamento informa-nos que somos um com o universo cósmico vibratório.
“No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus.” - Bíblia, Evangelho de São João 1:1.
“A Palavra” é sinónimo de “Om”. A criação começou com a projeção da vibração cósmica da consciência absoluta de Deus. Este poder criativo vibratório produz um som, que é “O Verbo” proferido por São João, é o oceano de vibração cósmica no qual todas as outras vibrações se movem como ondas. O Vahara Upāniṣad, V:69-70, descreve Om como “contínuo, como óleo que flui suavemente; o longo toque de um gongo. Aquele que conhece este som sempre novo, sempre inspirador e indizível conhece o Veda ou toda a verdade a ser conhecida.” Patanjali também fala de Deus/Absoluto como Om. No Yoga Sutra 1:27-28, ofereceu-nos a ferramenta de meditar em Om para conhecê-Lo. Om é o poder criativo Divino e manifestado na criação finita. Conhecer e alcançar a união com Absoluto é ser um com esta Inteligência Suprema, que nos é oferecida através da sintonia com o Anāhata Nāda, isto é, Om.

A busca pelo som primordial, ou Anāhata Nāda, é um pilar de diversas tradições no subcontinente indiano. Este som não é perceptível pelos ouvidos, no entanto, rege as leis da natureza, da vida, dos afetos e da consciência. O termo "Nāda" em sânscrito refere-se ao som, mas não a qualquer som - é um som que opera em um nível cósmico. O processo do Sādhana (prática espiritual) dentro do Nāda Yoga consiste em reconhecer e realizar a vibração sonora, tanto interior (anāhat) quanto exteriormente (āhat).
Os fundamentos do som primordial são trabalhados em diversas tradições e estão descritos em inúmeros textos sagrados, como os Vedas, os Upaniṣads, os Tantras e os tratados de Yoga e de música em expressões religiosas de raiz védicas, como nas tradições Hindu, Budista, Jainista, Sikh, Islâmica, entre outras.
Nāda yoga é o sistema filosófico, médico e yogi baseado no conceito de vibração (nāda) como essência do cosmos e do eu. Envolve várias práticas de ouvir o som interior (anāhata), som exterior (āhata) e respiração (prāṇāyāma) para alcançar o despertar espiritual e a unidade, concentrando-se no uso do som como um meio de unir a consciência individual à consciência cósmica ou universal. É uma prática que enfatiza a escuta interior e a meditação, alinhando-se com os princípios fundamentais de unidade e autorrealização encontrados noutras disciplinas de yoga.
O estudo do sânscrito, a entoação de mantras, a meditação, o treino e apreciação musicais, são algumas disciplinas conduzidas por e para a experiência do Anāhata Nāda.
O som, śabda, é o mais subtil dos pancha tanmāntras, os cinco elementos subtis que incluem o olfato, o paladar, a visão e o tacto, mas pode ser o mais poderoso. O nosso sentido auditivo é o primeiro a desenvolver-se no útero, e o último a desaparecer na experiência física humana.
O som não tocado, ou Anāhata Nāda, é um conceito central no Nāda Yoga e refere-se ao som vibratório primordial da criação que não requer atrito para ser produzido. Também conhecido como Prānava, ou Om (A-U-M), ele é apenas perceptível aos nossos subtis sentidos espirituais. É um som primordial que nunca cessa, uma vibração no âmago da existência. Ao contrário dos sons criados pelo choque de dois objectos, o som não batido não tem origem no mundo físico. É um som interno e puro que simboliza a essência divina dentro de todos os seres. Ouvir esse som envolve meditação profunda e silêncio interior, transcendendo os ruídos mundanos e até o corpo físico.
Āhata Nāda, é o som “o tocado”, produzido por moléculas de ar que “batem” umas nas outras, por exemplo, ao dedilhar uma corda, cantar, ao som produzido pelas folhas ao vento, etc., e é perceptível aos sentidos comuns.

No Yoga Sutra I:32, Patanjali afirma que quando a mente está totalmente concentrada num único objecto, neste caso, o som, pode evitar obstáculos que podem impedir a prática da meditação. A meditação (dhyāna) precede o samādhi, onde a pessoa é absorvida e “se torna uno com o objecto de conhecimento” que nos traz a bem-aventurança eterna. Os antigos ṛṣis (videntes) dos tempos que remontam à civilização védica, estavam conscientes disto e refinaram a sua capacidade de escuta com tal intensidade que “ouviram” ensinamentos e revelações sagradas, transcritas e imortalizadas no que é conhecido como Vedas, os textos sagrados considerados śruti (o que é ouvido). Para refinar a nossa capacidade de escuta em direcção ao conhecimento supremo de anāhata, podemos começar por praticar a escuta atenta de āhata nāda através dos sons do nosso ambiente, os sons da natureza, as nossas vozes, a respiração, música clássica, taças tibetanas, etc. Apesar de mais profundo e subtil, anāhata também é acessível a todos.
“Nāda é som, é a vontade de Brahman. Havia um Sat-Sankalpa. Uma vibração ou Spandana surgiu. Veio a vibração de OM. Isso é Nāda. Nāda é Shiva-Shakti. A união e relação mútua de Shiva com Shakti é Nāda. Nāda é acção. Nāda significa som, que não é o som grosseiro captado pelo ouvido. Nāda é o aspecto mais sutil de Shabda. Nāda se desenvolve em Bindu. Nada é o primeiro estágio emanatório na produção do Mantra. O segundo se chama Bindu. Nāda e Bindu existem em todos os Bija-Mantras. Nāda é aquele aspecto da Shakti que evolui em Bindu." - (Swami Sivananda)
Como opera o Nāda para dissolver as inibições da mente?
Acesso a camadas subconscientes: O som interno está directamente ligado à mente subconsciente. Ao sintonizar esse som, os praticantes podem aceder a camadas mais profundas da consciência, revelando medos, dúvidas e bloqueios emocionais ocultos.
Purificação da mente: Por meio da prática persistente, o som pode ajudar a purificar a mente, limpando os ruídos mentais, pensamentos indesejados e carga emocional. O processo promove clareza, calma e consciência aprimorada.
Conexão com o Núcleo Divino: A prática não se trata apenas de ouvir um som, mas de perceber que o som é uma expressão do núcleo divino no seu interior. Esta percepção promove um sentido de unidade com todo o cosmos e pode levar a um profundo despertar espiritual.
Aprimoramento da prática espiritual: O envolvimento com o som interno pode desenvolver uma maior sensibilidade à energia vibracional, o que geralmente leva a uma prática de meditação mais profunda e ao crescimento espiritual.
Anāhata Nāda manifesta-se em diferentes níveis de consciência:
Nível Físico (Vaikhari): É o som que ouvimos todos os dias - música, fala e outros sons audíveis. É o que a maioria dos seres humanos está acostumada a reconhecer.
Nível Mental (Madhyama): O som transita para um reino mental à medida que a consciência se aprofunda. Este nível inclui o som mental dos pensamentos e diálogos internos e é acessível por meio da concentração.
Nível Subconsciente (Pashyanti): O som torna-se mais subtil, manifestando-se como energia vibracional ou som puro. É um som transcendente que requer meditação profunda para ser percebido.
Nível Transcendente (Para): O nível mais subtil é o som não batido ou Anāhata Nāda. Ele está além da percepção humana e é frequentemente descrito como o som primordial ou cósmico do universo.
A prática de Nāda yoga envolve a navegação por esses diferentes níveis, explorando a profundidade e a amplitude da influência do som na consciência. É um caminho que conecta os sons externos ao som eterno interior, promovendo a transformação interna e a unidade com o cosmos.
A prática de meditação de Nāda no Anāhata chakra denomina-se Nāda-Ānusandhāna. Mas antes, é fundamental que o yogui domine a prática āsanas e prānāyāmas (posturas físicas e respirações), prescritas pelo Haṭha Yoga, determinantes no processo de concentração interior e de preparação para a meditação.
A prática de Haṭha Yoga, segundo a tradição clássica, opera fundamentalmente através do prāṇa, visando canalizar e conter esta força vital no corpo sutil, através de kumbhaka (retenção do prāṇa) e de mudrās (selos energéticos, i.e. o acto de conter o prāṇa). Desta forma, o haṭha-yogin (o praticante de yoga) esforça-se por intensificar o calor interno, despertando assim a kuṇḍalinī-śakti (a energia vital pessoal) que, ao ascender através do canal energético principal, que atravessa todos os chakras, o suṣumna-nāḍī, faz com que o haṭha-yogin fixe a sua consciência em nāda (o som sibilante), provocado pela vibração sonora da energia em si despertada, o que leva a sua mente a ser absorvida e suportada pelo estado silencioso da identidade com Brahman (a Consciência Suprema e Absoluta).
“Ouve-se o som não atingido (anāhata śabda); A quintessência desse som é o objecto supremo. Ao ouvir isso, a mente torna-se una com esse objecto de conhecimento e dissolve-se nele. O que resta é o Eu Supremo.” - Hatha Yoga Pradipika, IV.100
Daí que o chakra da garganta se designe Vishuddha, que em sânscrito significa “o grande purificador”. Este centro energético é o centro da verdade, da linguagem, do conhecimento e da habilidade para comunicação. A sua função fisiológica e espiritual é a de transmitir a ideia por meio da fala ou de qualquer outro tipo de expressão oral. A sua associação ao som, ritmo e aos sentidos de audição, paladar e olfato liga-o ao trabalho criativo de músicos, compositores, artistas, oradores e professores. A sua função psico-emocional tem a ver com a inspiração, a criatividade e a expressão com o mundo.
É um chakra de frequência vibratória superior, associado à frequência de 741Hz, correspondente à nota musical 'Sol', cujos efeitos vibratórios no corpo/mente se reflectem no desenvolvimento da autoexpressão e na criação de uma vida mais pura, estável e saudável, livre de toxinas e pensamentos/sentimentos negativos.
Corresponde ao plexo laríngeo e está ligado às glândulas tireóide e paratiróide que regulam todo o metabolismo do corpo, desde a actividade dos órgãos vitais às funções de controle emocional, concentração, controle da massa corporal, crescimento, ciclo menstrual e fertilidade feminina.
Como começar a desenvolver Nāda Sādhana?
A meditação no som, tal como no mantra, permite-nos ir ao fundo e silenciar a tagarelice mental que perturba incessantemente a mente. A música pode oferecer a mesma experiência.

Bhramari Prānayāma, muitas vezes chamado de respiração do zumbir da abelha, utiliza o som do zumbido para estimular o ouvido interno e a mente. Pode fazer parte das práticas de Nāda yoga, pois ajuda a sintonizar com os sons e as vibrações internas.
A prática de japa (repetição) do mantra So ham com a respiração (inspirando So e expirando Ham), leva progressivamente à percepção dos sons sutis no Anāhata Chakra. A vibro-massagem da vocalização de “So Ham”, “Om” ou de Brahmari prānayāma, estimula as células pulmonares, permitindo melhorar a troca gasosa, estimula as glândulas endócrinas (hipófise, pineal, tireóide, supra-renais, gônadas) e os tecidos e células nervosas, intensificando a circulação nestes locais, bem como o sistema nervoso simpático. Como consequência desta vibração, as ondas electromagnéticas produzidas propagando-se por todo o corpo, aumentando o dinamismo, a vontade de viver e desenvolvendo a capacidade de concentração.
A música clássica indiana é outra forma eficiente do aspirante se iniciar no Nāda Yoga, devido à sua natureza essencialmente sáttwica (pura, elevada) das suas harmonias. A música clássica indiana, com sua rica herança e raízes espirituais, desempenha um papel importante no Nāda Yoga. O sistema rāga (estrutura melódica) e o ritmo (tala) são cuidadosamente escolhidos para invocar emoções específicas e elevar a experiência espiritual. As rāgas indianas, frases musicais que utilizam diferentes configurações de notas do sargam indiano (escala musical), são utilizadas de acordo com o bhava (estado de espírito) desejado, os diferentes momentos do dia e as estações do ano. Por exemplo, o rāga Bhūpālī é uma melodia suave e tranquila que cria uma atmosfera profunda e relaxante e é cantada ou tocada no início da noite; o rāga Bhairava, é conhecido como o Canto de Ṡiva e, segundo a mitologia, era o “ādi rāga” – a primeira escala, expressa a consciência suprema e era tocada ou cantada pela manhã.
A música lírica com palavras inspiradoras e edificantes pode induzir um estado de espírito elevado para aqueles que gostam e conseguem ligar-se melhor a estados mais elevados de consciência através do contexto e do conteúdo.
Nāda Yoga convida-nos a explorar o poder transformador das vibrações sonoras e o seu impacto no nosso bem-estar físico, mental e espiritual. Enraizada nas antigas tradições yoga, esta prática mergulha na essência do som primordial do universo, na corrente de vibração sonora. Aceder a esta tradição é uma jornada para o eu mais íntimo, uma realização da consciência cósmica. Por isso, Nāda Yoga não é apenas uma técnica; é um modo de ser, um caminho para a autorrealização que abre as portas para a transformação interior, dissolvendo as inibições mentais à medida que o praticante se vai alinhando com o som ininterrupto da existência, em que a alma individual encontra o som eterno ou subconsciente.
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