KRIYĀ YOGA
- Yoga PuroPrana

- 19 de out. de 2022
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Atualizado: 21 de jan.

No Yoga Sutra, o grande sábio Patañjali descreveu um dos sistemas mais importantes de yoga: o método Ashtanga Yoga, ou o caminho de oito membros. Patañjali sistematizou numa doutrina (yogadarśana) uma abordagem iluminada da psique humana e demonstrou como, através da prática do Yoga, todos os seres se podem transformar, desenvolvendo mestria sobre a mente e as emoções (obstáculos ao desenvolvimento espiritual) e como obter o verdadeiro objectivo do Yoga: kaivalya, isto é, a libertação da escravidão mundana, dos desejos e repulsões, bem como a união com o divino. Esta foi a primeira tentativa de formular uma abordagem passo a passo para a auto-realização.
Mas dentro deste sistema, existe um segundo sistema que Patañjali mencionou, chamado Kriyā Yoga, que envolve muita disciplina e entrega. O termo kriyā designa acção, actividade, da raiz kṛ, traduzida como fazer, executar. Como tal, é praticamente sinónimo do termo karmam, traduzido como acção.
Fundamentalmente, kriyā significa acção interna. Quando fazemos uma acção interior, ela não envolve o corpo e a mente, porque tanto o corpo quanto a mente são externos. Quando temos um certo domínio para agir com a nossa energia, então é um kriyā. Se agirmos externamente é karma, se agirmos internamente é kriyā. O karma aprisiona, o kriyā liberta. - Sadguru
Quando kriyā está associado à palavra yoga, significa a forma prática da filosofia do Yoga: a união com o Absoluto através da realização dos deveres da vida quotidiana e da devoção activa. Esta disciplina ajuda o yogī a atenuar as aflições/sofrimento (kleśa) e a aproximar-se da experiência de absorção cognitiva (samādhi).
Para Patañjali não basta apenas um conhecimento teórico e intelectual da verdade. É necessária uma disciplina prática que tenha como meta o controle e a harmonização do corpo e, consequentemente, da mente. Somente assim o homem poderá realizar a sua verdadeira natureza.
O Kriyā Yoga visa neutralizar as causas da dor que estão enraizadas na ignorância de si mesmo, conduzindo o yogī à auto-realização e consiste na conjugação de 3 nyamas ou observâncias (boas práticas), ou seja, na conjugação de:
Tapas ou auto-disciplina, prática intensa ou ascese;
Svādhyāya ou auto-estudo;
Īṡvara praṇidhāna ou devoção, entrega ao "Senhor".
Cada uma destas acções internas tem um foco específico:
Tapas: o corpo físico, a vontade;
Svādhyāya: a mente, o intelecto;
Īṡvara praṇidhāna: o eu, as emoções.
Juntamente com exercícios físicos cuidadosos e constantes de asanas, mudras, bandhas e pranayamas, o Kriyā Yoga pede ao praticante que estude com esforço e se dedique ao caminho do Yoga.
Tapas

Tipicamente traduzido como "disciplina", tapas significa literalmente "calor". Patañjali descreve a prática de tapas na forma de yoga sadhana (prática espiritual diária) que induz o calor interno para queimar impurezas físicas e mentais.
Ao nível físico, podemos gerar calor praticando asana e Pranayama. As Saudações ao Sol, por exemplo, são uma excelente maneira de "aquecer" fisicamente, assim como a prática respiratória tradicional de Kapalabhati (respiração brilhante do crânio), uma espécie de autopurificação na qual os desequilíbrios e bloqueios que o corpo foi acumulando são “queimados”. Isso liberta prana (força vital), limpa e acalma a mente, um prelúdio necessário para Svādhyāya.
Svādhyāya

Auto estudo, que permite que a consciência entre no eu. É um aspecto da Kriyā Yoga através do qual a mente do yogī é purificada pelo conhecimento correcto e pela expansão do seu sentido de identidade.
Apesar do Kriyā Yoga conter três acções distintas - Tapas, Svādhyāya e Īṡvara praṇidhāna - elas não são hierárquicas. Cada uma contém as outras duas: a autodisciplina, por exemplo, não nos prepara apenas para o autoestudo, mas é também um meio de autoestudo.
Svādhyāya significa literalmente "recitar, repetir ou ensaiar para si mesmo". De acordo com Vyasa, um comentador dos aforismos do Yoga Sutra, do século V d.C, esta prática envolve a "repetição de um mantra sagrado, a sílaba sagrada Om, ou o estudo das escrituras relacionadas a Moksha, ou a liberdade da escravidão".
Svādhyāya, portanto, tem dois aspectos. A primeira é a recitação de mantras. Patañjali colocou ênfase particular no mantra-semente Om, que é o símbolo do Eu superior ou Senhor. Ao recitar este som, podemos "sintonizar" a sua fonte e, como diz Vyasa, revelar a alma suprema.
O segundo aspecto de Svādhyāya é o estudo das escrituras sagradas, como os Yoga Sutra, o Bhagavad Gita ou os Vedas, com o objectivo de usar essa informação/sabedoria como um espelho para um intenso estudo de si mesmo. Hoje em dia temos acesso a muitos livros e escolas de pensamento, tanto orientais como ocidentais, antigos e modernos, de modo que as nossas possibilidades para este segundo aspecto de Svādhyāya são infinitas.
Īṡvara praṇidhāna

Devoção, ou rendição, ao "Senhor"
O Yoga de Patañjali é um processo de auto-realização que admite um Deus pessoal, Īśvara. Esta prática expressa a entrega de todos os apegos, desejos e sentimentos egoístas a Deus. A prática de Īṡvara praṇidhāna conecta o Eu individual ao Eu universal. Este é o exercício espiritual que o yogī deve realizar para alcançar a Verdade superior.
Mas antes que o yogī possa alcançar o objectivo do Yoga (samādhi), deve primeiro purificar-se das flutuações da mente (cittavṛttiḥ). Através da prática do kriyā Yoga o corpo/mente é purificado. Patañjali anuncia, no sutra II: 16, que o objectivo desta prática é prevenir o sofrimento (duḥkha) futuro:
heyaṁ duḥkhamanāgatam [o sofrimento que ainda não surgiu é o que pode ser evitado].
Segundo a doutrina do yoga (yogadarśana), este sábio afirmou que a fonte de todo sofrimento é a falta de sabedoria espiritual, a ignorância (avidyā) sobre o nosso verdadeiro Eu. Esta ignorância, que não é falta de conhecimento mas sim esquecimento da Verdade suprema, é o kleśa (causa de sofrimento) primordial e a raiz de todas as outras aflições humanas: egoísmo (asmitā), desejo (rāga), aversão (dveṣa) e apego à vida (abhiniveśaḥ).
São os cinco kleśas que levam o indivíduo a sentir, pensar, querer e agir. Mas são, igualmente, causas de sofrimento que moldam a dinâmica da vida humana e constituem a matriz das motivações da psique não-iluminada, deixando resíduos positivos ou negativos nas profundezas da psique humana, a que Patañjali chamou de smṛti (memória ou mente profunda), a partir dos quais se instigam novas actividades e experiências que, por sua vez, produzem novos resíduos. É nessa mente profunda que fica registado e armazenado o resultado de todas as acções e experiências pessoais passadas, como resíduos psíquicos.
O kriyā yoga busca destruir este padrão inato para que a pessoa possa recuperar o seu Ser. A realização do Ser é o único meio pelo qual o homem pode sair dos ciclos de nascimentos e mortes, aos quais está sujeito por não ter alcançado a iluminação, ou seja, a tomada de consciência da Verdade.
Embora a atracção para nos apegarmos a esses registos seja excessivamente poderosa, ou seja, é difícil desfazermo-nos de antigos hábitos –, os yogīs garantem que podemos superá-la mediante o trabalho consciente. Patañjali, inclusive, insiste na possibilidade da transcendência total das forças do destino, e esse pressuposto optimista está por trás de todas as formas de Yoga. Podemos vencer o karma pela astúcia, assumindo a posição do Ser, que é a testemunha de todas as coisas, desconstruindo a nossa identidade do complexo psicossomático que é o fruto kármico das vidas anteriores e das actividades que resultam da nossa vontade e escolha, nesta vida.

À medida que criamos o hábito de nos identificarmos com o Ser, mediante a ascensão regular e periódica ao estado de êxtase supraconsciente, enfraquecemos o hábito de identificação com o ego ou com a consciência egóica quando voltamos ao estado ordinário, pois identificamo-nos cada vez menos com o nosso complexo psicossomático – até ao momento em que permanecemos para sempre identificados com o Ser.
História do Kriyā Yoga
Esta prática tem as suas raízes nas escrituras védicas e é uma síntese de todas as técnicas yóguicas ensinadas no mundo. Os Vedas descrevem esta técnica como um método de autorrealização através do controlo da respiração e da mente. A Bhagavad Gita, considerada uma escritura sagrada na cultura hindu, menciona que o Senhor Krishna ensinou este Yoga imortal aos seus discípulos, enfatizando a sua relevância e aplicação para a realização de Deus, mesmo na vida diária dos chefes de família.
Kriyā yoga, como uma técnica de elevação física, mental e espiritual, foi discutida pelo sábio Patanjali, na obra Yoga Sutra, onde refere (sutra II:1) que esta prática é de natureza mais preliminar, com um carácter progressivo, pois, tendo em conta o objectivo do yoga e o esforço necessário para alcançá-lo, “(…) não é possível nem recomendável para alguém absorvido pela vida mundana e completamente sob a influência dos kleśas lançar-se de uma só vez na prática regular do yoga.” (A ciência do Yoga, I.K. Taimini, 2006). Ou seja, é sugerido que, primeiro, haja um período preparatório de auto-formação, durante o qual o praticante vai gradualmente assimilando a filosofia yoga e as suas técnicas e acostumando-se à auto-disciplina que o yoga exige.
Com o passar dos séculos, no entanto, a técnica caiu em esquecimento.
Só por volta do século XIX é que a essência e metodologia do Kriyā yoga foi resgatada por uma linhagem de mestres ascensos, através dos ensinamentos de Mahavatar Babaji Maharaj. Este ensinamentos chegam até aos dias de hoje pelo mestre contemporâneo Paramhansa Yogananda (1893-1952).

Os métodos de Kriyā yoga discutidos por Babaji Maharaj consistem em vários níveis de Pranayama que se destinam a acelerar o despertar espiritual do yogī e o seu encontro com Deus. As práticas são baseadas no controlo da respiração como meio para controlar a mente, através de uma série de exercícios respiratórios que trazem equilíbrio energético através do Prana, impulsionando a jornada espiritual.
O legado de Paramhansa Yogananda pode ser consultado na sua obra, Autobiografia de um Yogi, disponíveis em português.
Neste link encontrará informação sobre este mestre:







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